Obra de teatro em 3 atos
Autora: Lilia Diana
PERSONAGENS:
Professora: dona Cecília
Aluna: Silvia Carolina
Mãe da aluna: Maria Teresa
Empregada: Maria
Outra aluna: Ana
CENÁRIO:
Sala com uma porta na lateral direita e outra no fundo. Em primeiro plano tem um piano ou órgão, no fundo à esquerda uma mesa com alguns livros em cima, e na parede lateral direita uma escrivaninha com duas cadeiras e um armário por trás. Tem um telefone sobre a escrivaninha.
Ato 1
CENA 1 (Dona Cecília e Ana)
Dona Cecília está ao piano tocando enquanto Ana canta o final de uma canção.
D. Cecília: Muito bem, por hoje é só. A partir da semana que vem vamos começar os ensaios para sua tournée pela Europa. Está entusiasmada?
Ana: Imagine dona Cecília, claro que estou! É a minha primeira tournée profissional e logo pela Europa! Vai ser fabuloso!
D. Cecília: Sim, fabuloso, mas se te apresentares bem, e para isso sabes que deves ensaiar muito.
Ana: Pode deixar, vou me esforçar ao máximo e um pouco mais! (Pegando uns livros que estão na mesa do fundo) até terça! (sai).
D. Cecília: Até terça e bom final de semana!
CENA 2 (Dona Cecília, a mãe da aluna, Maria)
Dona Cecília está executando uma música no piano, toca a campainha, Maria entra pela porta lateral e sai pela do fundo, logo em seguida volta e se dirige à professora.
Maria: Dona Cecília, tem uma senhora de nome comprido, Maria Teresa de não sei o que, querendo falar com a senhora.
D. Cecília: É sobre o que?
Maria: Não sei, vou perguntar. (Dá meia volta para sair).
D. Cecília: Espera Maria, (Maria se volta), pode deixar, a faça entrar.
Maria: Sim senhora. (Maria sai pela porta dos fundos. Dona Cecília se levanta do piano e se senta à escrivaninha. Maria retorna precedida da mãe da aluna, indica Dona Cecília e sai pela porta lateral).
CENA 3 (Dona Cecília, a mãe da aluna)
Mãe: Boa tarde dona Cecília!
D. Cecília: Boa tarde! (indicando a cadeira frente a ela) Em que posso servi-la?
A mãe senta e entrega um envelope à professora que o abre, tira um papel e fica lendo-o enquanto a mãe fala.
Mãe: Meu nome é Maria Teresa Cristina Castro Melo de Guimarães Neto. O professor Notalta, diretor do Teatro Municipal desta cidade, me indicou à senhora como uma boa professora de canto. Eu estou querendo que minha filha Silvia Carolina tome algumas aulas para educar a voz. Na nossa família, todas as mulheres somos brilhantes em canto, dança e piano. Minha filha está começando até um pouco tarde, pois esteve alguns anos interna estudando num conhecido colégio da Suíça, e agora tem que recuperar o tempo perdido.
D. Cecília: Bem, eu não costumo lecionar a alunos que não tenham já uma base, pois daqui saem para os palcos, para a fama..., mas não posso me negar a um pedido do professor Notalta, assim, farei uma exceção para lecionar a sua filha. Agora, em quanto aos honorários...
Mãe: (interrompendo) Não vou discutir preço, é só mandar a conta a este endereço (entrega um cartão) eu quero o melhor para minha filha e não meço despensas.
D. Cecília: Está bem, (olha a agenda) vejamos... o único horário que eu tenho vago é às quartas-feiras das 4 às 5 horas da tarde, está bom para a senhora?
Mãe: Está sim, Silvia Carolina poderá começar já na próxima quarta-feira?
D. Cecília: Perfeitamente, (se levanta) ficarei esperando por ela.
Mãe: (também se levanta) Então, boa tarde! (sai pela porta dos fundos).
D. Cecília: Boa tarde! (acompanha a mãe saindo pela porta dos fundos).
ATO 2
CENA 1 (Dona Cecília, Silvia Carolina)
Dona Cecília está ao piano e a aluna ao lado em pé.
D. Cecília: (entoando) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
Silvia: (desafinando terrivelmente) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
D. Cecília: (entoando) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
Silvia: (desafinando terrivelmente) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
D. Cecília: (entoando) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
Silvia: (desafinando terrivelmente) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
D. Cecília: vamos tentar uma oitava menos, (entoando) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
Silvia: (desafinando terrivelmente) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
D. Cecília: Não, Silvia, tenta...
Silvia: (interrompendo) Silvia Carolina!
D. Cecília: Está bem, Silvia Carolina, mas tenta fazer um esforço e repete comigo, vamos de novo, (entoando) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
Silvia: (desafinando terrivelmente) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
D. Cecília: Não, não, não é assim não, tem que sair de dentro com força, (entoando) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
Silvia: Ah, tivesse dito antes! (gritando e desafinando mais ainda) dó, ré, mi, fa, sol, lá, si, dó.
CENA 2 (Dona Cecília, Silvia Carolina, Maria)
Toca a campainha e Maria entra pela porta lateral e sai pela porta do fundo.
D. Cecília: Não, Silvia, não é...
Silvia: (interrompendo) Silvia Carolina!
D. Cecília: (esforçando-se por ser paciente) Está bem, Silvia Carolina, não é para gritar, a voz tem que sair de dentro naturalmente.
Silvia: A senhora falou “com força” e eu fiz força. Acontece que a senhora não gosta de mim, não; eu faço tudo o que a senhora manda, mas não há nada que a senhora ache bom. Vou pedir para minha mãe para não voltar mais.
D. Cecília: (esforçando-se por ser paciente) Mas Silvia...
Silvia: (interrompendo) Silvia Carolina!
D. Cecília: Está bem, Silvia Carolina, não fica assim não, você está aprendendo, e está melhorando, só faz um mês que frequenta as aulas, com mais tempo você vai cantar tão bem quanto tua mãe e tuas tias.
Maria entra pela porta dos fundos
Maria: O motorista da senhorita Silvia Carolina está esperando.
D. Cecília: Bom, já acabou tua hora. Até a próxima quarta-feira.
Silvia: Até quarta dona Cecília.
Sai pela porta do fundo seguida de Maria. Dona Cecília se levanta do piano e senta a escrivaninha segurando a cabeça com as mãos e os cotovelos apoiados na mesa. Maria volta.
CENA 3 (Dona Cecília e Maria)
Maria: Dona Cecília, seu chá está pronto, posso trazê-lo?
D. Cecília: Por favor, e mais 2 aspirinas, minha cabeça está estourando.
Maria sai pela porta lateral e logo retorna com uma bandeja com uma xícara e um bule de chá que coloca sobre a escrivaninha.
Maria: (enquanto serve o chá) Silvia Carolina é diferente a todas as outras alunas, a voz dela..., não sei...
D. Cecília: (enquanto pega a xícara do chá) Aquela menina não tem voz, e nem ouvido; é um verdadeiro desastre musical, nunca vai aprender a cantar, e ainda por cima é uma criança mimada cheia de vontades.
Maria: (enquanto Dona Cecília toma o chá) Então por que a senhora continua lecionando para ela?
D. Cecília: Porque eu não posso me negar a um pedido do professor Notalta! Caso contrário não teria passado da primeira aula.
ATO 3
CENA 1 (Dona Cecília, Maria e Silvia Carolina)
Dona Cecília está executando uma música no piano, toca a campainha, Maria entra pela porta lateral e sai pela do fundo, logo em seguida volta precedida de Silvia Carolina.
D. Cecília: Boa tarde, Silvia.
Silvia: (corrigindo) Silvia Carolina! A senhora não sabe a boa notícia que eu trago!
D. Cecília: (esperançosa) Você volta para o colégio na Suíça?
Silvia: Não, não! Hoje à noite minha mãe vai oferecer uma recepção para me apresentar às amigas. Minhas tias e primas também irão me ver cantar, até o professor Notalta vai estar presente para me aplaudir!
D. Cecília: Não!
Silvia: Sim! E minha mãe pediu para ensaiar esta música (estendendo uma folha de papel para Dona Cecília) para eu cantar esta noite.
D. Cecília: (espantada) Fígaro!!!!
Silvia: O que foi? Eu não sei cantar?
D. Cecília: (disfarçando) Não é isso, é que normalmente essa música é cantada a partir do terceiro mês de aula e você só tem um mês que está vindo; mas eu tenho uma canção muito bonita que você pode cantar e todos vão adorar. (Vai até a estante e começa a procurar entre vários papéis enquanto Silvia olha atenta). Deixa ver... está por aqui... já achei! (dá uma folha para Silvia e coloca outra no piano). Primeiro eu canto e você ouve, depois você canta, certo?
Silvia: Certo.
D. Cecília: (tocando e cantando) Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil.
Silvia: (destoando tremendamente) Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil.
D. Cecília: Eu vou cantar de novo e você só ouve prestando muita atenção no ritmo. (tocando e cantando) Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil.
Silvia: (destoando tremendamente) Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil.
D. Cecília: Eu vou cantar de novo e você presta muita atenção.
Silvia: (reclamando) Quer dizer que eu não canto bem?
D. Cecília: (tentando ser paciente) Não é isso, Silvia é que...
Silvia: (corrigindo) Silvia Carolina!
D. Cecília: Está bem, Silvia Carolina, é apenas que o teu tom está um pouquinho alto. Vamos então? (tocando e cantando) Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil. Agora você.
Silvia: (destoando tremendamente) Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil.
D. Cecília: Ai, ai, ai...
Silvia: Não vai dizer que não cantei perfeito!!
Toca a campainha e Maria entra pela porta lateral e sai pela do fundo.
D. Cecília: Não, não! Silvia, é que...
Silvia: (interrompendo) Silvia Carolina!
D. Cecília: Está bem, Silvia Carolina, é que minha cabeça está doendo, estou com enxaqueca.
Maria: (entrando pela porta do fundo) Silvia Carolina, teu motorista chegou.
Silvia: Já estou indo, até quarta, dona Cecília!
D. Cecília: (sem ânimo) Até quarta.
Silvia: Não vai me desejar uma boa apresentação?
D. Cecília: Mas é claro! Boa sorte e bons cantos!
Silvia sai pela porta do fundo seguida de Maria. Dona Cecília se levanta do piano, vai até a escrivaninha e de deixa cair na cadeira. Maria volta.
Cena 2 (Dona Cecília e Maria)
Maria: Cecília, seu chá está pronto, posso trazê-lo junto com as aspirinas?
D. Cecília: Por favor.
Maria sai pela porta lateral.
D. Cecília: Ai, ai, ai... estou arruinada, ai, ai, ai...
Maria: (retornando com a bandeja do chá) O que está acontecendo dona Cecília?
D. Cecília: (enquanto Maria serve o chá) É o fim do mundo, hoje à noite minha vida vai por água abaixo!
Maria: (enquanto dona Cecília toma o chá) Por quê?
D. Cecília: Você não ouviu Silvia falar que hoje a noite a mãe dela vai dar um recital, e que até o professor Notalta estará presente?
Maria: Sim, mas não se resolve colocando algodão nos ouvidos?
D. Cecília: E você acha que eles vão culpar à menina pelo som destoado? (começa a caminhar inquieta pela sala). É a mim que vão culpar, vão dizer que eu não soube ensinar direito e toda minha reputação irá por água abaixo. Quando o professor Notalta ouvir aqueles alaridos vai ligar para mim imediatamente me dizendo as piores coisas que eu possa imaginar. (pausa mas continua caminhando inquieta) O que vou fazer? (pausa enquanto continua caminhando) tenho vontade de sumir (pausa e para de caminhar) e vou sumir mesmo, vou viajar para bem longe e vai ser agora mesmo, antes de acontecer esse recital. Maria, liga para a agência de viagens e reserva uma passagem para Nova York enquanto eu preparo as malas. (sai pela porta lateral)
Maria: (pega o fone, disca um número e fala dando as pausas para ouvir o outro lado da linha) Alô, da agência de viagens? (pausa) queria reservar uma passagem para Nova York para hoje (pausa) um momento (separa o fone do ouvido) dona Cecília, a moça diz que só amanhã ao meio dia.
D. Cecília: (só se ouve a voz) Vê qualquer lugar dos Estados Unidos, qualquer cidade serve.
Maria: (recolocando o fone no ouvido) Pode ser qualquer cidade dos Estados Unidos (pausa) ah! um momento (separa o fone do ouvido) dona Cecília, a moça diz que o primeiro vôo para lá é mesmo aquele de amanhã ao meio dia.
D. Cecília: (só se ouve a voz) Maria, eu tenho que viajar antes desta noite, veja Europa, Austrália, sei lá, o primeiro vôo que sair.
Maria: (recolocando o fone no ouvido) Quais os vôos que a senhora tem para hoje? (pausa) não, para fora do Brasil (pausa) só? (pausa) tem certeza? (pausa) está bem, é mesmo uma emergência, deixa anotar, (pega um papel e um lápis) pode falar, (pausa enquanto escreve) sim, (pausa e escreve) sim, (pausa) paga na hora do embarque, (pausa) muito bem, obrigada. (desliga o telefone enquanto dona Cecília entra com uma mala)
D. Cecília: conseguiu?
Maria: Consegui, mas é longe...(sai pela porta lateral)
D. Cecília: Quanto mais longe melhor! Aqui está meu passaporte (colocando-o dentro da bolsa) já estou pronta! (pega a bolsa e a mala como pronta para sair) Maria, chama o táxi.
Maria: (entrando pela porta lateral com uma montanha imensa de cobertores) É melhor levar isto também, vai precisar.
D. Cecília: O que? Para onde estou indo?
Maria: Para a GROENLÂNDIA!!!!
Eu quero que este blog deixe um rastro luminoso em cada pessoa que o visite. Lilia Diana
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